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Uma mentira compartilhada mil vezes, torna-se uma verdade: a maldição do "zap"

Atualizado: 19 de abr. de 2020

Se Joseph Goebbels, ministro da Propaganda de Adolf Hitler na Alemanha Nazista, vivesse na época atual, certamente ele daria esse retoque em sua célebre frase que contribuiu para um país mergulhar até o fundo do poço.



Acho que todos nós já vimos ou até fomos vítimas de situações semelhantes a ess

a: uma turma escolar de adolescentes entra em sua sala de aula e, em uma das paredes, está uma pichação com algum tipo de insinuação vexatória ou preconceituosa contra um dos alunos. Tristeza e revolta da vítima de um lado e ironias, risos e até reforços entusiasmados da insinuação por parte da maior parte da turma. E, afinal, quem foi que escreveu aquilo? Ao lembrar da situação semelhante que supostamente vivemos quando éramos adolescentes, talvez alguns, até hoje, não saibam quem foi o autor do ato. Mas, certamente nos lembraremos dos efeitos danosos à vítima ao longo de muito tempo, principalmente quando a insinuação foi maldosa, mentirosa, injusta somado ao empolgado esforço do reforço de quem replicou a mensagem além das paredes da sala de aula sem ao menos (querer) entender o porquê alguém escreveu aquilo ou, pior, quem escreveu aquilo.


Vivemos hoje situações semelhantes, com muito mais intensidade do que imaginamos. Aquela sala de aula foi transformada em pequenos compartimentos dentro de um aplicativo chamado WhatsApp[1]. Seja por grupos, seja por mensagens diretas, vivemos, na escravidão desse aplicativo, uma avalanche diária de notícias, informações e dados, em sua grande maioria, mentirosa, maldosa ou deturpada. Normalmente essas mensagens chegam sem autoria ou com autoria falsa, sem indicar a fonte, sem comprovação alguma. Muitas, apenas com aquela pequena mensagem “encaminhada” indicando que o mal vem de longe. Em algumas situações essas mensagens são criadas por pura maldade ou por intenção real de impor uma determinada visão ou ideologia. Em outras situações, a interpretação dessas notícias é deturpada pela ignorância de uma parcela ainda muito grande de seus usuários que, desta forma, compartilham essas mensagens deturpadas com uma deturpação ainda maior provocada pela sua ignorância.


Muito se tem discutido atualmente a respeito. Muitos conflitos surgem diariamente quando alguém diz que tem “certeza absoluta” de alguma coisa porque “chegou no meu zap”. Muitos, com um pouco mais de análise crítica e de conhecimento, buscam alguma forma de ajudar a essas pessoas a não caírem na armadilha das notícias falsas, maldosas do Whatsapp. Mas como fazer?


A resposta parece ser mais simples do que se imagina. Mas antes, devemos entender uma coisa: a razão da incapacidade de uma pessoa compreender o que é e o que não é falso no Whatsapp está na forma como a grande maioria dessas pessoas começaram a usar a tecnologia. Estudantes, profissionais e outras pessoas em condições sociais mais privilegiadas, com maior formação acadêmica ou com melhores condições de vida, começaram a usar a tecnologia de forma up-down, conceito por mim atribuído. Isso significa que elas começaram sua vida tecnológica por tecnologias mais complexas e específicas como, por exemplo, plataformas educacionais, programas corporativos, uso das redes sociais para fins profissionais, sites de compras, leitura de jornais, revistas e livros e inúmeras outras. Embora essas pessoas também usem aplicativos populares como o Whatsapp, elas conhecem e usam o imenso mundo tecnológico acima e ao redor desse quase insignificante aplicativo de mensagens quando comparado a todo esse mundo. Por outro lado, uma parcela menos privilegiada ainda grande da sociedade, ao ter o merecido e necessário acesso à tecnologia, começou por fazê-lo de forma down-around-down, ou seja, essas pessoas começaram a usar o Whatsapp e limitaram boa parte de suas vidas a esse único aplicativo. Não conhecem o que existe além disso porque não tiveram o ideal desenvolvimento escolar, não tiveram acesso a ambientes educacionais ou profissionais adequados, não tiveram grandes oportunidades de inserção social e, provavelmente com isso, possuem limitada capacidade de compreensão do mundo e da tecnologia. Muitos estão em condição de analfabetismo funcional, possuem grandes dificuldades de fazer análises críticas, de compreender e escrever textos e não conseguem oportunidades na busca do conhecimento em função da grande desigualdade social. Isso não é uma crítica a essas pessoas. É uma crítica ao nosso sistema de ensino ainda não ideal, aos legisladores que se preocupam com populismo e vantagens pessoais em detrimento do desenvolvimento social, às mídias parciais e interesseiras, aos negacionistas e aos fanáticos que se aproveitam dessas vulnerabilidades para conquistar seguidores.


Isto posto, retornamos à pergunta, como fazer para que essas pessoas entendam o que é verdade ou mentira no Whatsapp? Conscientização com orientações tecnológicas!! É necessário mostrar a essas pessoas que existe “vida além do Whatsapp” na internet. Toda e qualquer informação colocada na internet (leiam com atenção: eu disse colocada na internet e não colocada no Whatsapp) possui uma forma de identificar autoria. Se existe um dado a respeito de uma pandemia, isso estará em alguma rede social do órgão governamental responsável por esses dados. Se houve algum tipo de ação policial em algum lugar, isso estará em forma de texto ou de vídeo em algum site de jornal confiável. Se há o alerta de algum profissional a respeito de alguma tragédia eminente, isso estará no seu perfil em uma rede social. Se existe algum novo remédio para uma doença até então incurável, isso estará nos meios oficiais dos laboratórios científicos. Se existe uma nova lei ou um decreto, isso estará em um site de publicação oficial do legislativo. Se alguma empresa está fazendo um sorteio de prêmios, isso estará nas publicações oficiais da empresa na internet. Se há uma demissão ou contratação em massa por uma empresa, isso estará no site da empresa. Se há a divulgação de algum fato histórico pouco conhecido, isso estará nas wikis confiáveis na internet. Portanto, não podemos confiar em nenhuma mensagem que chegue em nosso Whatsapp que simplesmente apresente números de uma pandemia sem indicar a fonte, que mostram um vídeo de pessoas inocentes sendo presas sem indicar a fonte, que há uma tragédia eminente sem citar a fonte, que um novo remédio vai salvar vidas sem que haja a fonte científica e oficial disso, que há uma nova lei, um novo decreto, sem citar a fonte, que há um sorteio sem citar a fonte, que houve demissão ou que haverá contratação em uma empresa, sem citar a fonte, que há um fato desconhecido na história sem citar a fonte.


Há vida inteligente além do Whatsapp! Aplicativos de mensagens são, na sua essência, para trocar mensagens entre as pessoas: cumprimentos, namoros, pedidos, saudades, encontros, reencontros... Mas nada impede que outras coisas sejam passadas de um para o outro. Desde que haja a citação da fonte, do site, da rede social ou de qualquer outro repositório na internet onde está, original e confiavelmente, aquela notícia ou aquele vídeo, aquela declaração, aquela lei, aquela oportunidade, aquela história. Fora isso, qualquer coisa pode ser mentira, qualquer coisa pode ser uma pichação difamatória sem autor em nossas paredes virtuais.


O Whatsapp é um território fértil e cruel para quem deseja propagar mentiras que, repetidas, compartilhadas milhares de vezes, transformam-se em “verdades”. Qualquer um pode escrever uma “verdade”, qualquer um pode gravar um vídeo com uma “verdade”, qualquer um pode gravar um áudio com uma “verdade”. Mas mensagens soltas, vídeos e áudios “sem cara”, sem autoria, sem assumir a responsabilidade daquelas informações, sem fontes confiáveis, são, na grandiosa maioria das mensagens que recebemos, falsas, maldosas ou produto de pessoas ignorantes que não sabem que estão disseminando o mal.


Portanto, quando você receber uma notícia, um vídeo ou um áudio suspeito, ainda que venha daquele seu “amigo acima de qualquer suspeita”, não tenha vergonha de perguntar: “você tem o link original dessa notícia?”, “você tem o link onde está esse vídeo?”, “você tem o link direto da publicação dessa lei?”... Se a resposta foi algo como “não tenho”, “não sei”, “só repassei”, “não tenho ideia do que você está me pedindo”, simplesmente jogue no lixo a mensagem suspeita e não compartilhe com ninguém. Pode parecer exagero, mas você pode estar dando uma imensa contribuição para salvar um país ou o mundo.

[1] Coloco o Whatsapp como uma espécie de “vilão pedagógico” por ser, atualmente, o detentor da maior fatia de mercado de aplicativo de mensagens instantâneas. Mas, toda a minha reflexão se aplica a todos aplicativos semelhantes.

1 Comment


carlosrj8267
carlosrj8267
May 04, 2020

Interessante quando pensamos que uma mensagem tenha um poder tão avassalador, quando esta é feita para enganar uma pessoa ou um povo.


Infelizmente os "alfabetizados funcional" da tecnologia não sabem que a notícia precisa ser verdadeira, que precisa de fontes confiáveis para ter um valor daquele conteúdo.


Não é somente papel dos jornalistas xecarem as fontes de notícias, a sociedade precisa entender e aprender buscar as fontes das notícias, buscar o conhecimento para ser crítico.


Quem não busca conhecimento, será igual um papagaio que só repete (cópia e cola) o que lhe falam (enviam).

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