Reuniões on-line (Parte I): da resistência à cultura
- Alberto Alvarães
- 6 de abr. de 2020
- 10 min de leitura
Atualizado: 10 de abr. de 2020
Quando um empresa resiste em usar tecnologias que aumentam a sua produtividade, ela também inibe a sua capacidade de se adaptar às mudanças necessárias.

DA MORTE DAS REUNIÕES PRESENCIAIS AO DOMÍNIO DAS REUNIÕES ON-LINE
No meio da década de 1990, quando trabalhava na área de treinamento e desenvolvimento em uma grande organização multinacional, recebi a tarefa de participar como multiplicador de um programa de capacitação gerencial que tinha como objetivo aumentar a produtividade de gestores e profissionais da área administrativa por meio de métodos de trabalho e princípios comportamentais que eram delineados por um grande programa de mudança organizacional elaborado pela gestão central de recursos humanos localizada fisicamente na nossa matriz, na França. Os grandes pilares desse programa eram dois treinamentos que foram multiplicados por mim e outros colegas por toda a América do Sul, área de atuação de nossa filial Brasil: um treinamento de administração do tempo e outro treinamento de reuniões eficazes. Fazia parte dos princípios de produtividade desse programa cuidadosamente elaborado, que para se conduzir reuniões eficazes seria necessária a capacidade de administração do tempo do gestor e dos demais envolvidos. E, no outro sentido, para se administrar eficazmente o seu tempo, o profissional deveria saber utilizar bem a ferramenta “reunião”, tanto como anfitrião (aquele que convoca e lidera a reunião) quanto como participante.
Reforço que esse maravilhoso trabalho do qual tive o privilégio de participar, se passou na última metade da década de 1990. Portanto, praticamente toda a tecnologia que temos disponível hoje, era, na época, quase que um vislumbre do tipo Star Trek. Neste contexto, não foram poucas as vezes quando, durante os treinamentos, ficávamos pensando em algum tipo de aparato eletrônico portátil no qual poderíamos escrever e consultar nossas agendas para que pudéssemos nos livrar daquela pesada agenda em papel. Não me lembro de alguém que tivesse a visão de uma agenda eletrônica que pudesse ser, automaticamente, compartilhada com as agendas de outros componentes da equipe como hoje temos e usamos naturalmente. Da mesma forma, nos treinamentos de reuniões eficazes, volta e meia surgiam alguns vislumbres de alguma forma de se fazer reuniões de maneira não presencial. Naquela época já existia a vídeo conferência, mas por meio de tecnologias próprias com acesso e equipamentos extremamente caros o que deixava a ferramenta restrita à alta cúpula da empresa. Como a maioria dos participantes deste treinamento de reuniões era de gestores, eles tinham a clareza de que reuniões virtuais (esse termo nem era conhecido na época) trariam redução de custos, redução de tempos de deslocamento, redução de tempos destinados a esses momentos e possibilidade de maior participação das pessoas. Mas, o máximo que conseguíamos imaginar, era algo via telefone de voz o que, obviamente, traria muitas limitações e, no final das contas, quase nenhum ou nenhum ganho.
Alguns poucos anos mais tarde, no início da década de 2000, já atuando como consultor e instrutor de treinamentos de produtividade no trabalho e com o recurso da internet bastante consolidado, comecei a entender que a nossa Star Trek estava muito mais próxima do que imaginávamos anos antes. Em mais um curto espaço de tempo percebi que iríamos usufruir de algum recurso que virtualizasse reuniões com muita facilidade e, até mesmo, a gestão como um todo. E aconteceu. Há cerca de dez anos surgiram os primeiros programas poderosos, dedicados ou adaptados para reuniões on-line. Acreditava que, a partir daquele momento, iríamos realmente revolucionar a forma de se fazer reuniões com muito mais objetividade, produtividade e com muito menos custos financeiros, físicos e emocionais. Vi chegar 2020 e nada havia mudado substancialmente. Continuei a ver e viver nas empresas, por quase vinte anos, as mesmas reuniões enfadonhas de 1990 com movimentações físicas das pessoas, participantes cada vez mais dispersos em relação ao que estava sendo tratado (afinal, as mensagens que chegavam no telefone móvel eram mais importantes), falta de planejamento e de métodos nas reuniões e, muito custo financeiro e emocional. Foram anos observando a tecnologia evoluir exponencialmente e as reuniões empresariais mudarem apenas a marca do café e a substituição do retroprojetor pelo projetor multimídia.
Informalmente, e como estudioso de comportamento humano e organizacional, buscava respostas dos porquês as reuniões físicas não serem transformadas em reuniões on-line. Inicialmente pensava que as limitações eram tecnológicas de conexões com a internet ou disponibilidade de equipamentos. Mas logo percebi que não. A mesma conexão que usamos há tempos para assistir vídeos de alta definição é a que usamos para reuniões on-line. Na realidade, o bloqueio está na cultura organizacional que é definida, em grande parte, pelos comportamentos, experiências e crenças dos seus gestores e dos demais colaboradores. Sempre houve um forte pré-conceito de que reuniões on-line seriam improdutivas, fato muito semelhante ao que já aconteceu nos primeiros cursos universitários a distância. Outros fatores também foram somados como, por exemplo, uma sensação de perda de poder por aquele que conduz as reuniões, pois não poderia praticar a sua imposição física nas enfadonhas reuniões. Na tela, todos podemos ter o mesmo tamanho, basta ajustar o zoom. Também havia uma certa sensação em muitos participantes de que uma reunião on-line poderia ser parcialmente “burlada”, mais ou menos parecido com o que pensavam antigamente algumas pessoas, que fazer uma faculdade EaD era só “dar uma enrolada” e fazer as avaliações. Com o tempo, o alto grau de desistência sob a justificativa de que “não aguentaram a pressão” dos estudos, levou à tona que as coisas não são bem assim.
Estamos no início do segundo trimestre de 2020. Praticamente todo o planeta está recolhido em casa para se proteger do coronavírus. Isso forçou empresas e funcionários a quebrarem paradigmas e, em um aprendizado intensivo, descobriu-se que é possível fazer uma faculdade praticamente sem sair de casa, fazer feira sem atravessar o portão, comprar remédios comparando preços por aplicativos e recebendo-os quase na mesma hora, descobriu-se que se pode ter acompanhamento de psicólogos, fisioterapeutas, personal trainers e inúmeros outros profissionais, tudo por áudio e vídeo on-line e on-time. Descobriu-se que há muito mais possibilidades na tecnologia de rede mundial além das futilidades do “zap”, das redes sociais e dos aplicativos de transporte público. Professores, profissionais da saúde, profissionais liberais, funcionários de empresas de todos os portes, estudantes, todos passaram a fazer reuniões on-line, pois era a única forma de se reunir para tomar decisões sem o risco do contágio. Era, finalmente, possível entender que os únicos problemas em se fazer reuniões on-line eram, na essência, os mesmos das reuniões físicas: a resistência humana. A tecnologia só veio para ajudar.
O que podemos concluir é o que já parecia claro: a resistência às reuniões on-line dentro das empresas estava na própria cultura organizacional. Nada conceitualmente anormal, pois toda cultura é uma manifestação com lentos movimentos de mudança. Situações contingenciais como a pandemia do coronavírus aceleram essa e outras mudanças e estão mudando meteoricamente as culturas das empresas. A história se repete: situações pontuais e impactantes transformam o mundo para sempre.
Diante disso e agora que as organizações abriram um pouco mais os seus ouvidos e os seus corações, encorajo-me a falar daquilo que até dois meses atrás achava que seria ironizado: a morte das reuniões presenciais e o domínio das reuniões on-line.
Para tanto, diante do imenso texto que escrevi a esse respeito em menos de 24 horas, resolvi dividir o assunto em dois blogs. Neste primeiro, contextualizo a reunião on-line como um elemento da cultura organizacional, como já o fiz, seguido de uma explanação das ações fundamentais para a implantação de reuniões on-line nas empresas.
O segundo blog que sairá na semana que vem, trará um contexto mais metodológico no qual abordarei o método de reuniões on-line considerando o planejamento e a comunicação da reunião, a reunião em si e o pós-reunião.
AS REUNIÕES ON-LINE INSERIDAS NA CULTURA ORGANIZACIONAL
Antes mesmo da convocação de uma reunião on-line, é necessário refletir se o assunto a ser tratado é adequado para uma reunião. Reunião pressupõe a interação e a participação ativa de todos os participantes. Se, por exemplo, o que será apresentado é uma nova estrutura organizacional da empresa após um downsizing ou uma reengenharia, não há a necessidade de reunir as pessoas em uma reunião on-line. Se é uma informação já definida que não requer debate ou que não contempla questionamentos, então um vídeo gravado ou mesmo um documento escrito será o suficiente.
Uma reunião é um processo, ela transforma um conjunto de elementos em resultados. A pura assimilação de informações não é suficiente para se considerar como um produto de reunião.
Em outro exemplo, se o que se quer apresentar é um novo procedimento de trabalho a ser implantado, também não cabe o formato de reunião. Neste caso, é um processo de aprendizado no qual é adequado a um modelo de treinamento que também pode ser resolvido com uma videoaula ou um manual bem elaborado de instruções de trabalho.
É necessário entender que uma reunião, on-line ou presencial, se aplica em situações do seguintes tipos: definir solução para um determinado problema; elencar alternativas para alguma necessidade; definir metas de uma determinada situação; tomar decisão acerca de algum acontecimento; esboçar um plano; fazer um balanço intermediário de um projeto ou atividade para definir ações de continuidade; gerar uma nova ideia.
Estas situações geram resultados a partir da interação e da participação ativa de todos participantes do encontro on-line. Essas são, portanto, as situações para as quais uma reunião poderá ser, realmente, produtiva.
Outro ponto muito importante é ter a certeza de que a cultura da reunião on-line já está solidificada no grupo ou na empresa. Se você está iniciando o uso de reuniões on-line com a sua equipe, certifique-se dos seguintes pontos para evitar resistências tanto das pessoas quanto da organização:
Todos os participantes devem estar minimamente familiarizados com a tecnologia de reuniões on-line. Muitas pessoas possuem resistências ou pouca habilidade com as novas tecnologias de comunicação à distância. Isso pode inibir ou até mesmo excluir pessoas importantes para a discussão do assunto. Neste caso, serão necessárias uma conscientização e uma capacitação ou algum processo de comunicação a respeito dos benefícios e da operação da tecnologia a ser utilizada.
A plataforma (aplicativo, programa) a ser utilizada tem que ser a mesma em todas as reuniões e para todos os participantes. É comum que determinadas pessoas já conheçam e já tenham utilizado diferentes programas de reuniões on-line. A partir de suas experiências, elas costumam ter preferências diferentes em função da facilidade de uso, da fidelidade ao desenvolvedor do programa, do uso em empresas anteriores e outros motivos. Tudo isso deverá ser respeitado, mas a decisão de qual programa será utilizado deverá ser institucional ou centralizado no responsável pelo processo de implantação das reuniões on-line. Se possível, a escolha da plataforma deverá utilizar critérios técnicos estudados e avaliados por um perito em tecnologias da empresa ou contratado. Como especialista, ele poderá apontar qual é o programa mais adequado, mais rápido, com recursos adequados e mais seguro. Essa deverá ser uma decisão técnica e não uma escolha pessoal o que, muito provavelmente, seria de consenso bem difícil entre os participantes. Se não há esse perito técnico na empresa ou se não se deseja contratar um, a decisão deverá ser da hierarquia ou da pessoa responsável pelas reuniões. Por fim, é importante entender que uma plataforma de reuniões on-line é uma tecnologia complexa e de muitos recursos e nem de longe poderá ser substituída com sucesso por recursos populares como aplicativos de mensagens instantâneas ou redes sociais.
Os programas de reuniões on-line deverão contemplar os recursos necessários. Cada empresa, cada equipe, possui suas especificidades que vão definir quais os recursos necessários em seus programas de reunião. De uma maneira geral, além do recurso básico e lógico de compartilhamento de vídeo e áudio entre os participantes, outros instrumentos são bastante úteis:
Liga e desliga vídeo e áudio de cada participante. Além de diminuir o consumo de internet durante a reunião, em determinados momentos o desligamento de vídeo ou de áudio evita imagens e sons desnecessários ou até mesmo constrangedores.
Recurso do tipo “levanta a mão”. Nesse recurso, quando um participante deseja a palavra, em vez de ficar gesticulando ou interrompendo por voz o transcorrer da reunião, ele simplesmente aciona esse recurso em seu equipamento e uma sinalização aparece em seu vídeo indicando o seu desejo de falar.
Chat e/ou tabloide de escrita. A maioria dos programas de reunião on-line já integram a comunicação de mensagens escritas. Outros ainda possuem um tipo de tabloide onde os participantes podem desenhar e escrever livremente como se estivessem sobre uma folha de papel. Esses recursos são interessantes em diversas situações: para fixar os objetivos e a pauta da reunião; para marcar na tela o assunto abordado no momento; para colocar uma mensagem geral importante sem interromper o raciocínio de ninguém (por exemplo, “faltam 15 minutos para terminar o horário de nossa reunião”); para a redação da ata da reunião, para perguntas que podem ser respondidas objetivamente por qualquer participante; para rápidas enquetes; para registro de votos e muitas outras situações. Além disso, normalmente esses programas possuem o recurso de chat individual. Este é útil em outras situações bem interessantes e não possíveis, ou não adequadas, de se fazer em reuniões presenciais como tentar conversar particularmente com alguém que não está colaborando com a reunião, comentar rapidamente alguma coisa fora do contexto da reunião sem atrapalhar o grupo, para entregar ações individuais e inúmeras outras situações.
Integração com outras ferramentas. A integração com agendas pessoais para a marcação e sinalização das reuniões para os participantes é um recurso muito útil para garantir a presença ou as justificativas de ausência. Outras integrações como com plataformas de documentos (como o Google Drive, One Drive ou Dropbox) tornam as reuniões bem produtivas e objetivas.
Divisão em grupos de trabalho. Dependendo da reunião, em alguns momentos a divisão de grupos de trabalho pode ser útil. Desta forma, cada grupo se ocupa reservadamente de uma atividade específica a ser agregada ou compartilhada com todo o grupo em um momento posterior dentro da reunião geral.
Gravação da reunião. Este é um recurso que pode ser interessante em algumas situações muito específicas. Mas, a orientação que colocarei no próximo blog e suas justificativas é que uma reunião não deve ser gravada.
Por fim, reuniões on-line não podem ser informais. Elas devem estar contempladas no contrato de trabalho e na rotina do dia a dia. Não se trata apenas de situações legais, mas sim da integração à cultura organizacional. O uso formalizado de reuniões on-line e seus métodos irá, por exemplo, ser considerado no levantamento de necessidade de treinamento (LNT) da equipe de gestão de pessoas no intuito de capacitar os funcionários para o uso dessa tecnologia com o objetivo de aumentar a produtividade e os resultados das empresas.
Era com metodologia bem definida e com a integração da ferramenta "reunião" à cultura organizacional que fazíamos há 30 anos atrás naquela empresa que citei no início desse texto. Naquela época, reuniões on-line eram apenas vislumbres, mas a sua cultura organizacional entendia qualquer tecnologia apenas como uma ferramenta e não como uma razão de existência. Quem pensa assim, mostra o grau de resiliência da empresa e a deixa preparada para rápidas mudanças. Que a nova cultura das reuniões on-line, dentro de uma nova cultura da gestão on-line, venha para provocar um grande avanço na nossa forma de administrar empresas e pessoas.
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