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Uso da pesquisa como prática de ensino superior: alguns obstáculos que (ainda) nos rodeiam

O uso da pesquisa como prática de ensino do curso superior ainda não é reconhecido como um poderoso instrumento em sala de aula. O caminho é longo para esta conscientização, mas os resultados podem ser muito promissores para os novos profissionais e para toda a sociedade.


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A partir do trabalho que venho desenvolvendo nos últimos anos acerca do uso da pesquisa como prática de ensino superior(1), algumas constatações pós-investigações começaram a se evidenciar e a serem debatidas entre colegas e em eventos a respeito. De forma intrigante, os resultados junto aos alunos têm sido extremamente positivos comprovando o princípio que a pesquisa é um dos maiores aliados do processo de ensino conforme estudos exaustivos de vários autores como Pedro Demo (2).

Mas, os problemas enfrentados no desenvolvimento desta prática, curiosamente (ou não) não estão na prática em si, mas na estrutura humana que a cerca. Este é um desdobramento venho fazendo ao longo de quase uma década, desencadeando como objeto de investigação o comportamento do docente frente o uso da prática da pesquisa no ensino superior (minha delimitação de campo de estudo). Como parceira e referencial teórico, conto com a Profª Alexandra Rocha que já na investigação de sua Dissertação de Mestrado(3) acerca do uso da tecnologia pelos professores do curso de Administração, apontava em sua conclusão que as resistências se concentram nos próprios docentes e não nos discentes como constava em suas hipóteses iniciais.

Em delimitação semelhante, esta nossa continuidade se estabelece nos cursos da área de Ciências Sociais Aplicadas. Não somente porque é a nossa área de atuação como docentes, coordenadores e pesquisadores, mas também porque acreditamos que em outras áreas, devido às suas especificidades, esse comportamento deva ser distinto.

Como neste blog a ideia é primar pela objetividade das informações, resolvi apresentar em tópicos o que considero elementos-chave do uso da pesquisa como prática do ensino superior (UPPES), em especial, reforço, na área de Ciências Sociais Aplicadas (Administração, Contabilidade, Tecnológicos de Gestão, Direito e outros) na esperança que estes sejam contribuições para professores, coordenadores de cursos e instituições de ensino para o aproveitamento pleno desta poderosa forma de fazer ensino.


  1. O Discente deve ser preparado metodologicamente para o UPPES. Fazer a pesquisa por fazer não proporciona ao discente a capacidade de aproveitar o ímpeto da pesquisa em seu dia-a-dia. É necessário que ele saiba contextualizar o problema, definir objetivos, estabelecer métodos, aprofundar-se teoricamente e desenvolver conclusões a partir das constatações. Não se fazendo isso, corre-se o risco de se fazer apenas um "trabalhinho valendo pontos" e não algo que contribua, a partir do aprofundamento teórico e de um método de investigação, para a prática de sua profissão.

  2. A disciplina escolhida para o UPPES deve ser uma disciplina na qual seja possível a transdisciplinaridade ou, ao menos, a interdisciplinaridade de conteúdos. Em Administração, por exemplo, uma disciplina como Organização Sistemas e Métodos não é a mais adequada para este tipo de prática, pois as possibilidades de trans ou interdisciplinaridade existem, mas a quantidade de conteúdos teóricos específicos é grande e aí há o risco de desenvolver pesquisas sem o adequado aprofundamento teórico. Disciplinas como Cultura Organizacional, por exemplo, são excelentes para o UPPES, pois o conteúdo teórico é abrangente, toca outras disciplinas e outras áreas de conhecimento e desta forma é criada a oportunidade de se "aprender pela vivência" e não pela passividade da assimilação de conteúdos. Passa a ser possível aprender com as fundamentações teóricas desenvolvidas pelos discentes nos trabalhos científicos selecionando-se, naturalmente, os temas atuais, de interesse deles e a partir de constatações da prática nas empresas.

  3. O professor a usar o UPPES deve estar preparado, capacitado e comprometido com esta forma de fazer ensino. Cheguei a ouvir em reuniões de colegiado de curso críticas ao UPPES com declarações como "Os alunos do curso de Ciências Sociais Aplicadas não precisam fazer pesquisa, isso é coisa de outras áreas. Para eles, aqui, o que interessa é somente a prática". Absurdos como esse demonstram a pouca preparação de alguns professores para a prática de ensino em geral. Não os condeno. Quando comecei a lecionar na área de gestão acho que falava a mesma coisa. Somente com o aprofundamento docente, o desenvolvimento científico, a leitura de autores pesquisadores, a participação em eventos e muita humildade para reconhecer o que se está fazendo errado é que conseguimos evoluir para uma melhor prática docente.

  4. A coordenação de curso deve estar comprometida e conhecer o que é o UPPES. Infelizmente vejo vários coordenadores que pensam ainda que ensinar é se enclausurar nos limites da disciplina, apenas seguir o ementário e transmitir informações. Alguns conceituam o trabalho de ensino e a pesquisa como se fossem coisas distintas: professores ensinam e pesquisadores pesquisam. É necessário para estes coordenadores entender que o professor ensina aquilo que ele consegue pesquisar e transformar em ensino e, a partir daí, fazer com que o ensino estimule os alunos à pesquisa e a pesquisa agregue para o ensino. É ser um ciclo. Aqui está também uma responsabilidade da Instituição de Ensino Superior que deve promover essa capacitação aos seus coordenadores e professores para entender o relacionamento entre ensino-pesquisa-extensão.

  5. É necessário que o professor-pesquisador que usa o UPPES deixe bem claro para os discentes e colegas docentes que a pesquisa é um meio e não um objetivo. A pesquisa é um meio pelo qual a teoria é desenvolvida e lançada para a prática de sua profissão. Quando os alunos não entendem isso, surgem comentários como "Eu 'só' vou fazer pesquisa ou aprender a matéria?". Situação pior pela qual já passei é de colegas docentes perguntarem em sala de aula aos alunos em relação aos professores que praticam o UPPES "O professor só passou a pesquisa? Ele não deu a matéria?". A ignorância deve ser combatida pela informação e pela formação além da boa vontade daquele que aprende. Em específico, destaco os docentes que devem se despir das suas crenças que o ensino ainda deve ser no método bancário criticado por Paulo Freire.

  6. É necessário que os desenvolvimentos científicos da turma sejam compartilhados, apresentados, e disponibilizados publicamente. Somente assim será possível transformar o UPPES como uma ação de construção coletiva do conhecimento que hoje algumas pessoas acham ser possível apenas com o uso da tecnologia.

Acredito que, embora não sejam poucos, estes tópicos são somente um início para o uso pleno do uso da pesquisa como prática do ensino superior. Seus benefícios são sentidos pelos discentes no longo prazo, são pautados pelo envolvimento na construção do conhecimento e menos pela “árdua obrigação” de aprender. Entretanto, é necessário um maior envolvimento e comprometimento dos docentes, coordenadores de curso e das instituições de ensino.



(1) Sugiro a leitura do artigo científico de minha autoria intitulado "O Uso da Pesquisa como Prática de Ensino do Curso Superior: Constatações a Partir de um Projeto de Extensão" encontrado neste endereço. Ao abrir o arquivo, procurar pelo artigo 21-32-1-RV.pdf na pasta EPA.

(2) Sugiro a leitura do livro Educar pela Pesquisa de Pedro Demo.

(3) Leia a dissertação da Profª Alexandra Rocha clicando aqui.


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